Algodão: como bactérias e fungos podem melhorar a qualidade de água no algodão irrigado

A cotonicultura irrigada é uma das atividades mais tecnificadas e de maior investimento na agricultura. Cada decisão, do preparo do solo à colheita, é calculada para maximizar a produtividade e a qualidade da fibra. Nesse sistema, a água é o insumo vital e, muitas vezes, o mais caro, com a eficiência do pivô ou do sistema de gotejamento sendo vista como a principal fronteira para a otimização.

A crença comum é que a eficiência hídrica se resume à tecnologia de irrigação. Mas e se a maior otimização não estivesse na forma como a água é entregue, mas sim na capacidade do solo de recebê-la, infiltrá-la e armazená-la? O que acontece com a água depois que ela toca o solo? Ela infiltra rapidamente ou escorre pela superfície? Ela fica retida na zona radicular ou se perde por evaporação?

A resposta para estas perguntas está na estrutura física do solo. E a revelação mais fascinante da ciência do solo moderna é que essa estrutura não é estática; ela é ativamente construída e mantida por uma “supercola” biológica, produzida por uma classe específica de fungos simbióticos.

Neste artigo, vamos mergulhar na arquitetura biológica do solo. Vamos descobrir:

  1. O que é a glomalina, a “supercola” que transforma o solo compactado em um “solo-esponja”.
  2. Quem são os fungos micorrízicos, os arquitetos incansáveis que produzem essa substância.
  3. Como diagnosticar e estimular esses parceiros para otimizar cada gota de água na sua lavoura de algodão.

O que é a Glomalina e Como Ela Constrói um ‘Solo-Esponja’

Imagine tentar construir uma parede resistente apenas empilhando tijolos, sem cimento. Eles permaneceriam soltos e instáveis. No solo, as partículas minerais — areia, silte e argila — são como esses tijolos. Sem um agente agregador, elas podem se compactar, formando uma camada densa que dificulta a infiltração da água e o crescimento das raízes. A solução da natureza para isso é uma substância notável chamada glomalina.

A glomalina é uma glicoproteína pegajosa e extremamente resistente, produzida pelas hifas (filamentos) dos Fungos Micorrízicos Arbusculares (FMAs). Pense nela como uma “supercola” ou um “cimento” biológico. Ela reveste as partículas do solo e as une, formando agregados estáveis. É a formação desses agregados que cria a arquitetura de um solo saudável.

Quando o solo está bem agregado, ele desenvolve uma estrutura porosa, cheia de canais e espaços vazios. É essa estrutura que dá origem ao efeito de “solo-esponja”. Um solo com essa característica apresenta duas vantagens cruciais para o algodão irrigado:

  1. Infiltração Rápida: A água da irrigação ou da chuva não empoça nem escorre. Ela penetra rapidamente através dos macroporos, alcançando as zonas mais profundas do perfil do solo e evitando perdas por evaporação e erosão.
  2. Armazenamento Eficiente: A água fica retida dentro dos microporos dos agregados, criando uma reserva hídrica estável e protegida, que é liberada lentamente para as raízes da planta.

A pesquisa científica, como o trabalho fundamental de Rillig (2004), estabeleceu a glomalina como um componente chave na estabilidade dos agregados do solo e, consequentemente, na sua capacidade de reter água e carbono. Em um sistema de alta demanda hídrica como o do algodão, ter um solo que funciona como uma esponja, otimizando a recarga do perfil a cada irrigação, é uma vantagem competitiva inestimável.

A Simbiose Essencial com os Fungos Micorrízicos Arbusculares (FMAs)

Se a glomalina é o material de construção, os Fungos Micorrízicos Arbusculares (FMAs) são os arquitetos. Esses microrganismos são parceiros simbióticos essenciais para mais de 80% das plantas terrestres, incluindo o algodoeiro. A relação é uma das mais bem-sucedidas da natureza:

A planta, através da fotossíntese, produz açúcares (carbono) e os fornece ao fungo. Em troca, o fungo estende sua vasta rede de hifas — filamentos microscópicos que funcionam como uma extensão do sistema radicular — para explorar um volume de solo muito maior do que a raiz conseguiria sozinha. Essa rede é extremamente eficiente na absorção de água e nutrientes pouco móveis, como o Fósforo (P) e o Zinco (Zn), entregando-os diretamente para a planta.

A produção de glomalina é um resultado direto e contínuo dessa parceria. À medida que as hifas crescem e se renovam no solo, elas liberam essa glicoproteína, constantemente reforçando a estrutura dos agregados. Portanto, um solo com uma comunidade de FMAs saudável e ativa é um solo que está perpetuamente construindo e mantendo sua própria fertilidade física e hídrica.

Para a cultura do algodão, essa simbiose é particularmente benéfica. Estudos como o de Berruti et al. (2016) revisam extensivamente como a inoculação com FMAs pode promover o crescimento das plantas e aumentar sua tolerância a estresses, incluindo o estresse hídrico. Um algodoeiro bem colonizado por esses fungos não só tem acesso a mais nutrientes, mas também vive em um solo fisicamente mais preparado para armazenar a água fornecida pela irrigação.

Do Diagnóstico ao Manejo – Como Avaliar e Estimular os ‘Arquitetos’ do seu Solo

O conhecimento sobre a glomalina e os FMAs seria apenas uma curiosidade científica se não pudéssemos aplicá-lo no campo. Como um consultor ou produtor pode avaliar e, principalmente, estimular a população desses “arquitetos” em sua área?

A avaliação começa por entender que a presença e a diversidade desses fungos são cruciais. A metagenômica surge como a ferramenta de diagnóstico mais precisa para essa tarefa. A análise do DNA do solo, realizada pela B4A, permite identificar a presença e a abundância relativa de diferentes gêneros de Fungos Micorrízicos Arbusculares. Esse dado fornece um bioindicador claro sobre o potencial natural do solo para formar agregados estáveis e criar o efeito “solo-esponja”.

Com o diagnóstico em mãos, o manejo pode ser direcionado para proteger e estimular essa comunidade fúngica. Felizmente, as práticas que promovem os FMAs estão alinhadas com os princípios da agricultura regenerativa e sustentável. Como a pesquisa de Verbruggen et al. (2013) destaca, as práticas de manejo agrícola são um dos principais fatores que moldam as comunidades de FMAs. As estratégias mais eficazes incluem:

  • Reduzir o revolvimento do solo: O preparo intensivo do solo quebra fisicamente a delicada rede de hifas, destruindo a estrutura que leva anos para ser construída. O plantio direto ou o cultivo mínimo são essenciais.
  • Manter o solo coberto: O uso de plantas de cobertura ou a manutenção da palhada protege o solo, fornece matéria orgânica e mantém a atividade biológica.
  • Aumentar a diversidade de plantas: A rotação de culturas, especialmente com plantas altamente micotróficas (como milho e soja), garante que os fungos tenham hospedeiros vivos por mais tempo, mantendo a simbiose ativa.
  • Uso racional de fertilizantes: Altas doses de fertilizantes fosfatados de alta solubilidade podem inibir a simbiose, pois a planta, com o P prontamente disponível, reduz o investimento na parceria com o fungo.

Estimular a vida do solo, especialmente os FMAs, não é apenas uma prática “sustentável”; é uma estratégia de investimento direto na otimização do recurso mais caro da produção irrigada: a água.

O que levar desse blog…

  • A eficiência da irrigação no algodão vai além do pivô; ela depende da capacidade do solo de infiltrar e armazenar água, uma característica biologicamente construída.
  • A glomalina, uma “supercola” produzida por Fungos Micorrízicos Arbusculares (FMAs), é a chave para criar um “solo-esponja”, agregando partículas e melhorando a estrutura do solo.
  • Promover a simbiose entre o algodoeiro e os FMAs resulta em um sistema radicular mais eficiente e um solo fisicamente mais apto a gerenciar a água da irrigação.
  • É possível diagnosticar o potencial micorrízico do solo com metagenômica e estimulá-lo com práticas de manejo como plantio direto, rotação de culturas e uso racional de fertilizantes.

Conexão com a Empresa

Otimizar o uso da água na cotonicultura é uma busca constante por eficiência e rentabilidade. Investir em sistemas de irrigação modernos é fundamental, mas para garantir o máximo retorno desse investimento, é preciso que o solo esteja preparado para aproveitar cada gota. Um solo compactado e com baixa atividade biológica pode desperdiçar até 30% da água aplicada por escorrimento superficial e evaporação.

A plataforma FullBio da B4A oferece um diagnóstico preciso da saúde física e biológica do seu solo. Através da metagenômica, nós identificamos e quantificamos a presença dos seus principais “arquitetos” — os Fungos Micorrízicos Arbusculares. Com esse bioindicador, você sabe exatamente qual o potencial do seu solo para formar a estrutura de “esponja” e reter a água da sua irrigação.

Deixe de apenas aplicar água; comece a gerenciá-la de forma inteligente desde a biologia do solo. Fale com nossos especialistas e descubra como a análise B4A pode transformar seu manejo de irrigação e maximizar a eficiência de cada gota.

Referências:

  1. BERRUTI, A.; LUMINI, E.; BALESTRINI, R.; BIANCIOTTO, V. Arbuscular Mycorrhizal Fungi as Natural Biofertilizers: Let’s Benefit from Past Successes. Frontiers in Microbiology, v. 6, p. 1559, 2016.
  2. RILLIG, M. C. Arbuscular mycorrhizae, glomalin, and soil aggregation. Canadian Journal of Soil Science, v. 84, n. 4, p. 355-363, 2004.
  3. VERBRUGGEN, E.; VAN DER HEIJDEN, M. G.; WEFERS, B.; et al. A global meta-analysis of the relationship between plant diversity and invading plant success. Ecology Letters, v. 16, n. 2, p. 235-244, 2013.

Autor: Dr. Estácio J Odisi da B4A.

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Dr. Estácio J Odisi

PhD em Biotecnologia e Biociências e co-fundador da B4A