A cotonicultura irrigada é uma das atividades mais tecnificadas e de maior investimento na agricultura. Cada decisão, do preparo do solo à colheita, é calculada para maximizar a produtividade e a qualidade da fibra. Nesse sistema, a água é o insumo vital e, muitas vezes, o mais caro, com a eficiência do pivô ou do sistema de gotejamento sendo vista como a principal fronteira para a otimização.
A crença comum é que a eficiência hídrica se resume à tecnologia de irrigação. Mas e se a maior otimização não estivesse na forma como a água é entregue, mas sim na capacidade do solo de recebê-la, infiltrá-la e armazená-la? O que acontece com a água depois que ela toca o solo? Ela infiltra rapidamente ou escorre pela superfície? Ela fica retida na zona radicular ou se perde por evaporação?
A resposta para estas perguntas está na estrutura física do solo. E a revelação mais fascinante da ciência do solo moderna é que essa estrutura não é estática; ela é ativamente construída e mantida por uma “supercola” biológica, produzida por uma classe específica de fungos simbióticos.
Neste artigo, vamos mergulhar na arquitetura biológica do solo. Vamos descobrir:
- O que é a glomalina, a “supercola” que transforma o solo compactado em um “solo-esponja”.
- Quem são os fungos micorrízicos, os arquitetos incansáveis que produzem essa substância.
- Como diagnosticar e estimular esses parceiros para otimizar cada gota de água na sua lavoura de algodão.
O que é a Glomalina e Como Ela Constrói um ‘Solo-Esponja’
Imagine tentar construir uma parede resistente apenas empilhando tijolos, sem cimento. Eles permaneceriam soltos e instáveis. No solo, as partículas minerais — areia, silte e argila — são como esses tijolos. Sem um agente agregador, elas podem se compactar, formando uma camada densa que dificulta a infiltração da água e o crescimento das raízes. A solução da natureza para isso é uma substância notável chamada glomalina.
A glomalina é uma glicoproteína pegajosa e extremamente resistente, produzida pelas hifas (filamentos) dos Fungos Micorrízicos Arbusculares (FMAs). Pense nela como uma “supercola” ou um “cimento” biológico. Ela reveste as partículas do solo e as une, formando agregados estáveis. É a formação desses agregados que cria a arquitetura de um solo saudável.
Quando o solo está bem agregado, ele desenvolve uma estrutura porosa, cheia de canais e espaços vazios. É essa estrutura que dá origem ao efeito de “solo-esponja”. Um solo com essa característica apresenta duas vantagens cruciais para o algodão irrigado:
- Infiltração Rápida: A água da irrigação ou da chuva não empoça nem escorre. Ela penetra rapidamente através dos macroporos, alcançando as zonas mais profundas do perfil do solo e evitando perdas por evaporação e erosão.
- Armazenamento Eficiente: A água fica retida dentro dos microporos dos agregados, criando uma reserva hídrica estável e protegida, que é liberada lentamente para as raízes da planta.
A pesquisa científica, como o trabalho fundamental de Rillig (2004), estabeleceu a glomalina como um componente chave na estabilidade dos agregados do solo e, consequentemente, na sua capacidade de reter água e carbono. Em um sistema de alta demanda hídrica como o do algodão, ter um solo que funciona como uma esponja, otimizando a recarga do perfil a cada irrigação, é uma vantagem competitiva inestimável.
A Simbiose Essencial com os Fungos Micorrízicos Arbusculares (FMAs)
Se a glomalina é o material de construção, os Fungos Micorrízicos Arbusculares (FMAs) são os arquitetos. Esses microrganismos são parceiros simbióticos essenciais para mais de 80% das plantas terrestres, incluindo o algodoeiro. A relação é uma das mais bem-sucedidas da natureza:
A planta, através da fotossíntese, produz açúcares (carbono) e os fornece ao fungo. Em troca, o fungo estende sua vasta rede de hifas — filamentos microscópicos que funcionam como uma extensão do sistema radicular — para explorar um volume de solo muito maior do que a raiz conseguiria sozinha. Essa rede é extremamente eficiente na absorção de água e nutrientes pouco móveis, como o Fósforo (P) e o Zinco (Zn), entregando-os diretamente para a planta.
A produção de glomalina é um resultado direto e contínuo dessa parceria. À medida que as hifas crescem e se renovam no solo, elas liberam essa glicoproteína, constantemente reforçando a estrutura dos agregados. Portanto, um solo com uma comunidade de FMAs saudável e ativa é um solo que está perpetuamente construindo e mantendo sua própria fertilidade física e hídrica.
Para a cultura do algodão, essa simbiose é particularmente benéfica. Estudos como o de Berruti et al. (2016) revisam extensivamente como a inoculação com FMAs pode promover o crescimento das plantas e aumentar sua tolerância a estresses, incluindo o estresse hídrico. Um algodoeiro bem colonizado por esses fungos não só tem acesso a mais nutrientes, mas também vive em um solo fisicamente mais preparado para armazenar a água fornecida pela irrigação.

Do Diagnóstico ao Manejo – Como Avaliar e Estimular os ‘Arquitetos’ do seu Solo
O conhecimento sobre a glomalina e os FMAs seria apenas uma curiosidade científica se não pudéssemos aplicá-lo no campo. Como um consultor ou produtor pode avaliar e, principalmente, estimular a população desses “arquitetos” em sua área?
A avaliação começa por entender que a presença e a diversidade desses fungos são cruciais. A metagenômica surge como a ferramenta de diagnóstico mais precisa para essa tarefa. A análise do DNA do solo, realizada pela B4A, permite identificar a presença e a abundância relativa de diferentes gêneros de Fungos Micorrízicos Arbusculares. Esse dado fornece um bioindicador claro sobre o potencial natural do solo para formar agregados estáveis e criar o efeito “solo-esponja”.
Com o diagnóstico em mãos, o manejo pode ser direcionado para proteger e estimular essa comunidade fúngica. Felizmente, as práticas que promovem os FMAs estão alinhadas com os princípios da agricultura regenerativa e sustentável. Como a pesquisa de Verbruggen et al. (2013) destaca, as práticas de manejo agrícola são um dos principais fatores que moldam as comunidades de FMAs. As estratégias mais eficazes incluem:
- Reduzir o revolvimento do solo: O preparo intensivo do solo quebra fisicamente a delicada rede de hifas, destruindo a estrutura que leva anos para ser construída. O plantio direto ou o cultivo mínimo são essenciais.
- Manter o solo coberto: O uso de plantas de cobertura ou a manutenção da palhada protege o solo, fornece matéria orgânica e mantém a atividade biológica.
- Aumentar a diversidade de plantas: A rotação de culturas, especialmente com plantas altamente micotróficas (como milho e soja), garante que os fungos tenham hospedeiros vivos por mais tempo, mantendo a simbiose ativa.
- Uso racional de fertilizantes: Altas doses de fertilizantes fosfatados de alta solubilidade podem inibir a simbiose, pois a planta, com o P prontamente disponível, reduz o investimento na parceria com o fungo.
Estimular a vida do solo, especialmente os FMAs, não é apenas uma prática “sustentável”; é uma estratégia de investimento direto na otimização do recurso mais caro da produção irrigada: a água.
O que levar desse blog…
- A eficiência da irrigação no algodão vai além do pivô; ela depende da capacidade do solo de infiltrar e armazenar água, uma característica biologicamente construída.
- A glomalina, uma “supercola” produzida por Fungos Micorrízicos Arbusculares (FMAs), é a chave para criar um “solo-esponja”, agregando partículas e melhorando a estrutura do solo.
- Promover a simbiose entre o algodoeiro e os FMAs resulta em um sistema radicular mais eficiente e um solo fisicamente mais apto a gerenciar a água da irrigação.
- É possível diagnosticar o potencial micorrízico do solo com metagenômica e estimulá-lo com práticas de manejo como plantio direto, rotação de culturas e uso racional de fertilizantes.
Conexão com a Empresa
Otimizar o uso da água na cotonicultura é uma busca constante por eficiência e rentabilidade. Investir em sistemas de irrigação modernos é fundamental, mas para garantir o máximo retorno desse investimento, é preciso que o solo esteja preparado para aproveitar cada gota. Um solo compactado e com baixa atividade biológica pode desperdiçar até 30% da água aplicada por escorrimento superficial e evaporação.
A plataforma FullBio da B4A oferece um diagnóstico preciso da saúde física e biológica do seu solo. Através da metagenômica, nós identificamos e quantificamos a presença dos seus principais “arquitetos” — os Fungos Micorrízicos Arbusculares. Com esse bioindicador, você sabe exatamente qual o potencial do seu solo para formar a estrutura de “esponja” e reter a água da sua irrigação.
Deixe de apenas aplicar água; comece a gerenciá-la de forma inteligente desde a biologia do solo. Fale com nossos especialistas e descubra como a análise B4A pode transformar seu manejo de irrigação e maximizar a eficiência de cada gota.
Referências:
- BERRUTI, A.; LUMINI, E.; BALESTRINI, R.; BIANCIOTTO, V. Arbuscular Mycorrhizal Fungi as Natural Biofertilizers: Let’s Benefit from Past Successes. Frontiers in Microbiology, v. 6, p. 1559, 2016.
- RILLIG, M. C. Arbuscular mycorrhizae, glomalin, and soil aggregation. Canadian Journal of Soil Science, v. 84, n. 4, p. 355-363, 2004.
- VERBRUGGEN, E.; VAN DER HEIJDEN, M. G.; WEFERS, B.; et al. A global meta-analysis of the relationship between plant diversity and invading plant success. Ecology Letters, v. 16, n. 2, p. 235-244, 2013.
Autor: Dr. Estácio J Odisi da B4A.